segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Tive a idéia de escrever este texto enquanto assistia ao resgate dos mineiros soterrados no Chile. Deixei para o dia seguinte e, antes de começar, fui surpreendido por uma reportagem no Globo Esporte sobre o mesmo tema. Por sinal, uma reportagem boa, coisa rara num programa esportivo que prima basicamente pelo entretenimento. Desisti, mas voltei atrás, pensando que poderia abordar um pouco mais o tema.

Dois mineiros foram retirados da mina e recepcionados de volta ao mundo com referências a seus clubes de coração. Pode parecer fanatismo, mas foram os momentos que mais me arrepiaram. Um deles, recebido pelo irmão com uma camisa da Universidad de Chile, pegou uma bandeira do clube e acenou com ela para a multidão que os observava. Não era o gesto de um sobrevivente, mas de um torcedor. Um gesto que mostrava um amor ao time tão grande quanto à vida. Ao ter todos os holofotes do mundo virados para si não se preocupou em demonstrar aos parentes, amigos, que sua saúde estava boa. Que havia suportado aquela situação inóspita por tanto tempo. A única coisa que importava era demonstrar que era um fanático torcedor de La U. Promoveu o time do coração. Infelizmente não vi ao vivo o mineiro que foi resgatado com uma bandeira do Colo-Colo, o que é uma enorme pena pois é o time chileno que mais me agrada.

Soubemos depois que a única discussão ríspida que ocorreu nos quase dois meses de soterramento foi sobre a posse de uma indumentária futebolística: o atacante do Barcelona, David Villa, filho de mineiros, enviou uma camisa autografada para a mina.

Acredito que fatos como esse dimensionam a imensidão social do futebol. Abraçar uma bandeira de clube com o mesmo amor que se abraça um familiar, ou que se luta pela própria vida não é uma metáfora, mas um fato. Viver não é fácil. É preciso ter bons motivos. E ao se reencontrarem com a vida, e abraçarem antes de tudo seus clubes, esses homens mostraram que o futebol é um deles. O que faz alguém se devotar a algo que não traz aparentemente nada em troca? Só faria esta pergunta alguém que realmente não gosta de futebol. Afinal, quem tem um clube, sabe que ele já fez muito mais por você do que você por ele. Sim, também te faz sofrer, mas o que seria do amor sem a dor? Louvá-lo sobre tudo e todos não passa de um pequeno agradecimento. 

Lembro-me de uma vez, na Argentina, quando assisti a um comercial. Infelizmente não o encontrei para postar aqui, mas o texto dizia basicamente o seguinte: um homem troca de roupa; um homem troca de emprego; um homem troca de esposa; um homem troca até de deus. Só existe uma coisa que nunca muda. E apareciam cenas do clubes argentinos no campeonato nacional. Foi o melhor comercial que já vi.

Agora que falamos dos mineiros que homenagearam seus clubes, falemos do inverso, de clubes que se formaram do trabalho e das profissões. Como citou a reportagem do Globo Esporte, no próprio Chile, ali mesmo na região das minas de cobre onde os trinta e três ficaram soterrados, há o Cobreloa. Time que hoje amarga situação complicada, anda meio apagado, mas que nos anos 80 chegou a duas finais de Libertadores, perdendo para Flamengo e Peñarol. Ainda falando em minas e mineiros temos, na Venezuela o Club Deportivo Mineiros de Guayana. Não encontrei informações sobre a relação do clube com as minas, mas acredito que deva existir. Ainda na América do Sul, na Bolívia, existe o Oriente Petrolero, clube formado no bairro onde viviam os trabalhadores das minas de petróleo bolivianas, e que contava em sua primeira formação apenas com trabalhadores da YFPB (Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos).


No Brasil, que me lembre, não existem muitos. Temos em Aracaju o Confiança, um dos maiores times do Estado de Sergipe, que se originou a partir de uma fábrica homônima, produtora têxtil. Tamanha é a identificação com as origens que até o hoje o clube é chamado de "Proletário" e "Dragão do Bairro Industrial". No Mato Grosso do Sul o maior campeão estadual é o Operário, clube formado por operários da construção civil nos anos 30. Outro que infelizmente não consegui encontrar informações, mas que já vi uma reportagem sobre, é um clube amador do Rio Grande do Sul, chamado Atlético Mineiros, também formado por trabalhadores de minas subterrâneas.

Na Europa o caso mais famoso, ao menos que me lembre, é o do Bayer Leverkusen. O Clube alemão, formado por trabalhores da indústria farmacêutica Bayer. Hoje o clube é independente, sendo inclusive um dos que mais possui associados na Alemanha, mas durante mais de vinte anos viveu sob a influência financeira da empresa.

É na Rússia, porém, que temos os casos mais representativos. Devido ao regime comunista, ainda na época da União Soviética, a Rússia se dividia em classes trabalhadoras em todos os sentidos, e o futebol não fugia dessa regra.  Temos o Lokomotiv Moskow, formado por trabalhadores e dirigentes do setor ferroviário, e que durante os anos de União Soviética foi gerido pelo Ministério dos Transportes Ferroviários. O caso mais curioso talvez seja o do Zenit. O clube foi fundado em 1925 por operários que queriam homenagear Joseph Stalin, e por conta disso sempre esteve próximo do poder. Ainda hoje essa relação é forte, sendo que o atual presidente da Rússia, Dimitri Medvedev é também presidente do Conselho do clube. E o mais simpático é o Akademiya Togliatti, antigo Lada Dimitrovgrad. Fundado pela empresa automobilística Lada, a maior da Rússia. Infelizmente quase tudo que pesquisei sobre o time estava em cirílico.

Com certeza existem muitos outros que não lembrei, ou talvez não conheça mesmo. Fiquem à vontade para mencioná-los aí nos comentários. 


12 comentários:

Fernando Silva disse...

Cara, no Brasil temos muitos exemplos, principalmente relacionados aos clubes de trabalhadores ferroviários. Ferroviária de Araraquara, Operário Ferroviário do PR, Ferroviária do CE, Desportiva Ferroviária (hoje Desportiva Capixaba) e Ferroviária de Assis (extinto) são exemplos. na Argentina tem o Rosário Central também. Deve ter mais. Aqui no DF, no princípio o campeonato era formado quase que exclusivamente por equipes de trabalhadores: Defelê, Serviço Gráfico e Rabello foram exemplos. Acho que, se pesquisarmos, veremos que grande parte das equipes nascem assim.
Belo texto! Yeah!

Fábio disse...

Cara, me esqueci completamente das ferroviárias, heheh.
O Rosário Central é ligado a ferrovias? A Estação Central de Rosário?

Fábio disse...

No Estado de São Paulo tem o Votorati também, que é ligado à Votorantim.
É como vc disse, se formos pensando com calma vão aparecendo vários.

Fernando Silva disse...

Cara, o Votoraty acabou até o fim. É uma pena. Acho que entrou nessa moda de mudar de sede, se não me engano foram pra Ribeirão. Tem o ValerioDoce também, que era ligado a Vale, mas com a privatização acho que foi deixado de lado. Parece que a equipe está nas últimas também.
Olha só o Rosario: The Central Argentine Railway Athletic Club was founded in December 24, 1889 by English railway workers of the British-owned Central Argentine Railway company. The first president was Colin Calder, and all club activities were carried out in the English language. When the company took over the Buenos Aires and Rosario Railway company in 1903, the name of the club was formally changed to Club Atlético Rosario Central.
Yeahh

Fábio disse...

Aliás, o Guaratinguetá vai se mudar pra Americana. Dizem que a prefeitura e os empresários de Americana prometeram incentivos que eles não tem em Guaratinguetá. Eu nao vejo o menor sentido nisso, ja que a cidade já tem o clássico Rio Branco. Pq nao investir nele? Td bem que o Guará está na série B do brasileiro, mas o time vai sem identificação alguma com a cidade e a torcida.

Gil Nunes disse...

Belo texto kra!
A propósito, acho ridículo o Guará se mudar para Americana. Afinal, o Rio Branco de Americana amarga as séries de acesso já faz um bom tempo. Se não há incentivo para um clube genuinamente local, haverá para um que está trocando de sede e ainda carregará o nome de sua antiga sede?
Ridículo!
Além do mais, isso tende a terminar como o Grêmio Barueri(Prudente). Vai cair para a Série B, C, D e fim.

Nihil disse...

Muito maneiro o texto, lendo os comentários vi que você não citou o querido Bangu Atlético Clube time que chegou a ser vice campeão brasileiro...Ótima postagem.

Fábio disse...

Valeu cara.
Mas me conte, o Bangu também foi formado por trabalhadores ou alguma indústria?
Gosto muito da camisa do Bangu.

Nihil disse...

Então Fabio,
O Bangu Atletico Clube como é conhecido hoje em dia já foi BANGU ATHLETIC CLUB. Era uma fábrica de tecidos cheia de trabalhadores ingleses. Pelo que li, no livro sobre o futebol carioca pré-profissionalização algum funcionario da fábrica que foi a serviço para a Inglaterra trouxe uma bola para jogarem nos intervalos que eles tinham nas linhas de produção. Eis que em 1904 surgiu o BANGU.
Gosto muito da camisa do Bangu tb, apesar de que as empresas de material esportivo tem conseguido faze-la cada dia mais vagabunda.

f. disse...

muito bonito o texto :)

acho que já até comentei com você que às vezes passo de ônibus em frente ao estádio de um time chamado "união dos operários futebol clube" na marginal tietê. o símbolo traz ainda a data de fundação: 1º de maio de 1917. só agora, com o seu post, lembrei de pesquisar e descobri que a origem dele são operários de uma indústria da família matarazzo: http://www.simmm.com.br/memorias/operarios.asp

f. disse...

eu não acompanhei o episódio dos mineiros, mas gostei de saber do gesto do david villa.

Anônimo disse...

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