quarta-feira, 25 de junho de 2008
(O que se viu): Quando Pavlyuchenko chutou aquela bola na trave no primeiro tempo da prorrogação, me perguntaram: para quem você está torcendo? E eu disse, "Agora, para a Rússia". Desde o começo da Euro2008 eu torcia para a Rússia, mas a Holanda era daquelas seleções impossíveis de se torcer contra. O time de Marco Van Basten era redondo. Quando as duas seleções se encontraram naquelas quartas de final, fiquei dividido entre o coração soviético e a razão laranja. Aquela bola na trave de Pavlyuchenko, entretanto, fez a dúvida acabar, e a partir dali eu era mais um russo nas arquibancadas da Basiléia. Foi naquele momento que começou o levante bolchevique. Nos poucos minutos da prorrogação, geralmente uma ante-sala dos penaltis, a Rússia foi uma massa compacta, que destruiu a laranja com sucessivos ataques, dois deles, fulminantes. Rússia 3, Holanda, a favorita, 1. (O que de fato aconteceu): Quando Pavlyuchenko chutou aquela bola na trave, o tempo cronológico de nossos relógios entrou em transe. As nuvens calmas que pairavam sobre a também calma Suiça, se coloriram de vermelho, e começou a tempestade. Choveu um suor rubro que muitos diziam ser sangue. Um sangue (ou suor) um pouco envelhecido, do século passado, mas ainda vigoroso e ácido. Não havia mais dúvidas sobre quem estava em campo contra a (até então) poderosa Holanda: O hino que tocou antes da partida era aquele entoado por tanto tempo em marchas na praça vermelha, no primeiro de maio. Dos onze em campo, dez vinham diretamente de Moscou (a maioria deles do time intimamente ligado ao Poder Russo). O Kremlin se levantava e mandava seus pupilos à guerra. Não, não era apenas a Rússia em campo, aquele país cheio de bêbados que tanto me encanta. Era a boa velha sigla, que rachou o mundo ao meio, e que achando o mundo pouco, mandou seus soldados para o espaço. Sputnik agora aterrisava no meio do gramado. E de dentro dele saiu Pavlyuchenko soltando aquele foguete na trave da Holanda. Não havia mais o que fazer, estava tudo fora de controle. Uma força de 100 anos que se levantou da sepultura e fez o time sensação da Euro tremer. Fez Van Der Sar, o goleiro imbatível, abrir as pernas para a bola passar. E quando isso aconteceu, as coisas pareciam fora do eixo, fora do tempo. Lênin embalsamado deu um soco no ar. Stalin e Trotsky se abraçaram nas arquibancadas. O grito entalado na garganta de cada russo desde a perestroika foi dado. Naquele minuto, e somente naquele, estava reestabelecida a geografia sociopolítico de um século. Tudo isso materializado no gesto do camisa 10 Arshavin, autor do último gol. O orgulho ferido foi uma arma muito mais letal do que todo o arsenal empoeirado nos sub-solos da KGB. Em tempo: não acho que a Rússia será a campeã da Euro. Seria demais, mas depois daquele jogo, isso se tornou quase irrelevante. Foi como a revolução russa, um dia de glória não garante um futuro promissor. Pobre de quem ousou desafia-la justo no dia do levante.

2 comentários:

Anônimo disse...

estou desde ontem tentando dar as boas-vindas ao blog mas o sistema de comentários não me aceitava (snif, snif-rs)

pensei lendo o post sobre a moldávia: parece o início da leitura de um livro russo, essa dificuldade em se concentrar nos nomes compridos e cheio de consoantes... e eis que o post seguinte é sobre futebol russo!
vocês são dois românticos. hehehe.

linka-los-ei.

Gil Nunes disse...

Eu ainda não consegui entender porque já li esse texto mais de 5 vezes. E devo admitir que a minha vontade de voltar a fazer isso se renova a casa milésimo de segundo. Eu estou completamente viciado nesse post. Talvez a emoção que senti ao final daquele jogo seja um dos fatos mais marcantes da minha vida futebolística. Me lembro que ao soar do apito, eu também não me importava mais se a Rússia seria a campeã... eu só tinha uma certeza, ninguém venceria a Rússia naquele dia...
Fabio, esse é o melhor texto que vc já escreveu.

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